quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O espetáculo vai começar: a beleza da violência nossa de cada dia


Carolina Kahro em Grand théâtre - foto: Toni Lima

Por Uendel de Oliveira

Grand théâtre: pão e circo, concebido e dirigido por Carolina Kahro, que também está em cena, alia rigor técnico e estético a um universo temático complexo e pertinente à nossa época, tão marcada pela presença maciça das mídias de massa que exploram e espetacularizam a violência. A atriz/autora faz desfilar em cena uma galeria diversificada de personagens bem-delineados e colocados em situações variadas e interconectadas, com dinamismo e beleza.

No palco, o cenário não realista ganha vida ao ser preenchido por uma sucessão de projeções de vídeos e imagens diversas, que são logo reconhecidos pela maioria dos espectadores, já que são exibidas figuras presentes no imaginário de quem conhece a televisão brasileira contemporânea.

O título da peça sintetiza o espírito do espetáculo ao fazer referência à política de “pão e circo” adotada por imperadores da Roma antiga. Essa política consistia em oferecer aos habitantes da cidade grandes espetáculos de gladiadores e distribuir alimentos com o objetivo de evitar a revolta popular. Grand théâtre: pão e circo associa claramente essas práticas de manipulação das massas aos veículos de comunicação contemporâneos, dando ênfase evidente à televisão.

Num determinado momento do espetáculo, por exemplo, Carolina vive um personagem que metaforiza os apresentadores de programas televisivos que se nutrem da exibição de criminosos, expostos e julgados publicamente. Esse personagem convida espectadores fictícios a se vingarem, de maneira brutal, de toda a violência que sofreram ou poderiam ter sofrido, na figura de um sujeito exibido no palco. O apresentador utiliza um discurso altamente persuasivo e finalmente convence sua plateia a agredir o “algoz”. Além de tocar na questão da manipulação do outro, a cena sugere que os papeis antagônicos de algoz e vítima, tão explorados pela imprensa sensacionalista, podem facilmente se inverter.

Para além da temática complexa abordada pelo espetáculo, Grand théâtre: pão e circo explora dinamicamente os recursos dos quais dispõe, propiciando uma experiência cenicamente inquietante. O uso das projeções, por exemplo, poderia facilmente ter caído no lugar da simples ilustração ou ambientação. No entanto, a autora/atriz interage permanentemente com o que é projetado, transformando o cenário e as projeções em parceiros de cena.

Destaca-se o trabalho da atriz Carolina Kahro, que explora seus recursos vocais e corporais para caracterizar com clareza e segurança os diversos personagens que representa. Ela não se apoia nos elementos cênicos tecnológicos como muletas e acaba compondo junto com eles um todo expressivo e coerente, recorrendo muito mais à sugestão do que à ilustração, permitindo que o público preencha o palco com as imagens que povoam seu pensamento, assumindo um papel muito mais ativo do que se poderia supor num espetáculo que se passa num palco frontal tradicional.

Num exercício metalinguístico, Carolina põe em espetáculo a espetacularização da violência tão amplamente difundida nos veículos de comunicação de massa, propiciando uma experiência instigante por seu apuro estético e pelas reflexões que suscita.

Uendel de Oliveira é doutorando e Mestre em Artes Cênicas pelo PPGAC – Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas / UFBA – Universidade federal da Bahia; dramaturgo e professor de teatro. Autor do blog: falandosobrecenas.blogspot.com.

(Texto produzido como exercício para a oficina Cultura da Crítica, no âmbito do FILTE. Não posuui caráter valorativo).

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