quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A ausência da clareza em torno do fogo

Cena de Fogueira, do Alvenaria - foto: Toni Lima

Por Eduardo Machado

Camila, Ci, Liliana e Raiça, do Grupo Alvenaria de Teatro (Bahia), começam o espetáculo Fogueira com uma invocação, convite, dedicatória a várias mulheres, inclusive nomes de parentes das pessoas da plateia são anunciados. Este dado é muito significativo para nossa primeira impressão ou escolha de caminho a seguir junto ao espetáculo. Ele propõe-se a ser ‘círculo ritualístico’, mas num formato bastante despojado. O grupo convida cada espectador a construir uma leitura muito particular, no que assente à dramaturgia, o que pode ser um caminho sem volta, uma liberdade perigosa.

Cada fragmento/célula cênica, por vezes sobrepostos uns aos outros, pretende ser uma situação onde a alma feminina é exposta em seus recônditos. Somos arrebatados quando vemos pequenas ações intensificarem-se e explodirem no centro da cena, a exemplo do momento em que a atriz Ci Moura traveste-se com vários elementos, várias roupas, na tentativa de tornar-se atraente, mas um pequeno detalhe de um acessório entre os lábios torna-a velha e feia. Uma das grandes passagens da peça.

O espetáculo investe numa tentativa de interação com o público. No entanto, dá-nos a sensação de que ‘as regras do jogo’ não ficaram muito claras, isto é: há regras neste jogo? Ocorre que o que potencialmente poderia ser uma experiência para além da ‘passividade’ do espectador, ganha poucas dimensões. Se olharmos em volta, vemos espectadores ávidos em jogar, há uma predisposição que é, de certa forma, tolhida pela falta de clareza da encenação neste sentido.

Há uma entrega muito sincera das atrizes neste espetáculo. Elas lutam até o último momento pela atenção do espectador, e conseguem. Podemos dizer que a ‘centelha de vida’, qualidade de presença cênica defendida pelo diretor Peter Brook, lá está. Porém, a chama que deveria nos aquecer e iluminar, não sobe. É como se este fogo fosse apagando-se à medida que o espetáculo decorre. O interesse não é renovado pelo formato cíclico da encenação, é como se já tivéssemos visto aquelas passagens. Sentimos a falta de uma seleção, edição, por assim dizer, trabalho do encenador. Há o fogo, mas não há lenha que o renove e segure. A tendência é apagar-se.

O grupo consegue, de forma muito precisa, criar um link entre Bakxai primeiro trabalho do coletivo, e Fogueira, pois percebemos ali que mais uma vez são mulheres num rito de liberdade e afirmação. Nesta citação o Grupo Alvenaria ressuscita ‘as bacantes’, personagens daquele primeiro trabalho e invoca pela presença de Dionísio, que entra desnudo em cena. É uma atuação memorável do ator Felipe Benevides, que ao longo de todo espetáculo rondou a cena e a plateia com uma presença muito marcante. Destaque também para a concepção musical do espetáculo. É ela que nos convida para o sentido ritual da encenação, seja através dos batuques e sonoridades construídas por instrumentos não convencionais, seja pelas músicas entoadas pela atriz Raiça Bonfim. Esta atriz tem um lugar de destaque na encenação. Outro aspecto que vale ser ressaltado é o trabalho físico do grupo. Muito bem cuidado e revelador de um processo contínuo de pesquisa e investigação.

O maior desconforto para o espectador não veio da demora em começar o espetáculo, ou do calor da sala ou em sentar-se no chão. Tudo isto foi superado. Não saber se o mais deselegante seria ficar ou sair da sala, se acabou ou não o espetáculo gerou um pequeno constrangimento geral, sobretudo quando após algum tempo percebemos que já não havia o que fazer naquele espaço, pois há tempos havia terminado e os atores gostariam de ‘esvaziar o terreiro’. Sentimo-nos intrusos num espaço que antes era de acolhimento.

Eduardo Machado é bacharelando em Artes Cênicas – Direção Teatral – UFBA, encenador do Osicran Teatro (Igarassu – PE) e Faísca (Évora – Portugal), aluno especial do Mestrado em Artes Cênicas PPGAC – UFBA, estudou Letras na FACHO – Olinda/PE.


(Texto produzido como exercício para a oficina Cultura da Crítica, no âmbito do FILTE. Não posuui caráter valorativo).

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