quinta-feira, 6 de setembro de 2012

No meio do caminho... oito pedras


Okamoto em Agora e na hora... - foto: Jordana Barale

Por Andréia Fábia

Pedras dispostas pelo chão milimetricamente arrumadas, arquibancadas no palco para os espectadores, um bueiro ao centro e o som de um funk carioca dos que se enquadram como “proibidões” por fazerem alusão à violência e ao uso de drogas. Esses foram os registros iniciais ao entrar para assistir ao espetáculo Agora e na hora de nossa hora, interpretado por Eduardo Okamoto e dirigido por Verônica Fabrini.

O espetáculo transporta o espectador para um evento real, a chacina da Candelária, ocorrida no Rio de Janeiro em 1993, contada através do olhar de um dos que presenciaram e sobreviveram ao ataque policial, Pedrinha. O personagem acredita ter sido o barulho dos ratos o fator responsável por ter acordado os policiais que praticaram a ação. Devido a esta crença prostra-se em frente ao bueiro em posição de combate tendo como arma oito pedras que remetem às oito crianças que foram assassinadas.

Uma cruz é isso, uma cruz! Num olhar da arquibancada e atenta aos feixes que a iluminação provoca, percebo que as pedras no chão representam uma cruz, e é no centro da cruz que se desenrola toda a ação dramática, é lá que ora o personagem transita como um ser crucificado pelo destino de menino de rua, entregue às mazelas e aos ensinamentos da cidade, preso aos vícios do sexo, do crack, do álcool, atordoado pela própria invisibilidade social, ora clama por benevolência, salvação e libertação deste destino.

A interpretação de Eduardo perpassa pela sofisticação lírica aliada à técnica. Os trejeitos que englobam tanto a postura corporal quanto a fala do personagem demonstram um trabalho de construção que deve ter sido embasado numa observação, dada a verossimilhança com os “Pedrinhas” que residem a céu aberto, nos mais variados cantos do Brasil.

Silêncios. O tema abordado no espetáculo embora seja de extrema complexidade, encontra no corpo de prontidão do ator e nos silêncios e pausas dramáticas do roteiro uma simplicidade que convida os espectadores à reflexão sobre a realidade dos meninos de rua, sem rodeios marxistas ou sociológicos.

É comprovado cientificamente que os ratos possuem uma fisiologia muito semelhante à dos humanos. Numa das cenas o personagem prostrado à beira do bueiro, emitindo grunhidos iguais aos que os ratos emitem, corporalmente como um dos roedores, seguido por um silêncio perturbador, da comparação do humano, com os ratos, me inquietou. Nós, ratos? Sem grandes aparos estéticos nos elementos que compõem a cena (figurino, maquiagem, iluminação e cenário), o espetáculo arrebata não somente por retratar uma realidade que a muitos ainda choca, mas em especial, por trazê-la à tona por um viés que preza o humano suas fraquezas e suas alternativas para a sobrevivência

Andréia Fábia é formada em Comunicação Social com ênfase em Publicidade e Propaganda pela UCSAL - Universidade Católica do Salvador, Licenciada em Teatro pela UFBA - Universidade Federal da Bahia. Atriz, professora de teatro e produtora cultural.

(Texto produzido como exercício para a oficina Cultura da Crítica, no âmbito do FILTE. Não posuui caráter valorativo).
 

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