quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A antropologia das ruas: a quebra do maniqueísmo


Okamoto atua em Agora e na hora... - foto: Jordana Barale
  
Por Eduardo Bruno

Um espetáculo solo é quase sempre um local de afirmação de uma ideia dominante, pois como o próprio nome deixa claro: só há um artista em cena;alémda questão de o artista ali presente, normalmente, não tem muitos criadores para debater as concepções ideológicas sobre o tema do espetáculo. Porém, essa ideia é posta completamente em cheque quando entramos em contato com o espetáculo solo de Eduardo Okamoto, com direção de Verônica Fabrini, Agora e na hora de nossa hora.

Dispostos em cima do palco e bem próximo ao ator, o publico é convidado a conhecer a historia de um menino de rua que mora na Candelária, igreja carioca que ficou conhecida após ter sido cenário de uma grande chacina de meninos de rua em 1993. Já de início, o ator, solista, nos mostra uma realidade mista presente na vida do personagem central da dramaturgia. Fugindo do maniqueísmo, tão comumente presente em montagens que falam sobre pessoas que estão à margem da sociedade, o espetáculo mostra um personagem complexo em suas vontades, ideias, sonhos e medos.

O caráter humano da personagem está presente na peça tanto no que diz respeito à dramaturgia falada, quanto na construção corporal do ator.No que cabe a construção da personagem,é notóriaa oscilação de qualidade e quantidade de energia cênica, deixando assim o personagem ao mesmo tempo agressivo, o que pode ser entendido como uma animalização das ações desse menino de rua, mas sem perder as fragilidades e medos presentes nessa criança abandonada, voltando dessa forma a humanizar um indivíduo tão excluído da sociedade.

Essa atuação realizada por Eduardo Okamoto, juntamente com o discurso textual dana cena quebra completamente o caráter moralista ou sentimentalista que inicialmente possa ter sido pensado pelo espectador. Cenas agressivas, que como exemplo, podemos citar a que o personagem está fumando uma pedra de craque dentro de uma latinha de refrigerante, realidade seca e cruel vivenciada por muitos meninos de rua, é rapidamente dissolvido por fragmentos de memórias relativo à saudade que o mesmo tem de sua amiga Felipa.

O espetáculo cria uma zona positiva de instabilidade para o publico, pois seu objetivo cênico parece ser maior que o de sensibilizar o público para a vida dos meninos de rua que vivem, viviam e foram mortos na Candelária. Mas também não se propõem a trazer e afirmar a ideia tão calcificada de que esses moradores de ruas são simplesmente criminosos, vagabundos e drogados e que já perderam toda a sua sensibilidade devido a essa vida na rua.

Com atuação e texto voltados basicamente para um naturalismo, mesmo com estilizações e fragmentação textual, a peça nos remete a um local muito mais de conhecimento de histórias e experiência de meninos de rua. Que, ali, está compilada na criação de um personagem ficcional. Como um relato da vida real, a peça nos mostra um meninoque mesmo estando à margem da sociedade, não deve ser compreendido nem somente como bomou ruim, nem somente vitimas ou somente algozes. Ele é tão humano, medroso e em potência de errar e acerta quanto todos nós.

Eduardo Bruno é graduando em Licenciatura em Teatro pelo IFCE e Encenador do EmFoco Grupo de Teatro- Fortaleza/CE. eduardobfreitas@hotmail.com

(Texto produzido como exercício para a oficina Cultura da Crítica, no âmbito do FILTE. Não posuui caráter valorativo).

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