quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O imergir dos sentidos

Cena de Fogueira, do Alvenaria - foto: Tiago Lima

Por Poliana Bicalho

Cheiros, sabores e sons. O espetáculo Fogueira, do grupo Alvenaria de Teatro/Bahia, é uma imersão no universo dos sentidos, na sua potencialidade mais primitiva. A esfera ritualística é marcada pela disposição espacial em círculo do público e do espaço da encenação, interligados por quatro altares minimalistas, compostos por objetos permeados por significados da fertilidade e da feminilidade.

As quatro mulheres em cena trazem o frescor de seus corpos jovens, sensuais e delicados mesclados com a configuração do corpo marcado por experiências de martírios que o atravessam. Tudo é vigiado pela figura constante e sorrateira masculina que simbolicamente lembra que todos nós estamos inseridos em uma ordem do discurso e que as relações são construídas dentro da sociedade disciplinar.

Existe uma sensualidade patente que é evidenciada ao máximo quando no espetáculo é inserido claramente as referências de As Bacantes, tragédia grega do dramaturgo Eurípides e texto utilizado na primeira montagem deste grupo. Considero que neste momento o espetáculo entra em se segundo ato. Agora, o homem que vigia é amansado e tomado por forças que dessa vez o dominam. Neste processo, o nu do corpo do ator apenas evidencia o que há de animalesco nas relações humanas, que são moldadas e castradas.

Diante da proposta da encenação a música produzida ao vivo, com instrumentos utilizados em rituais afros e os vocalismos e sonoridades criadas por objetos manipulados pelas atrizes são determinantes para estabelecer o ritmo das cenas e para envolver o espectador. Este que dialoga com as atrizes, recebe adornos, divide a mesma garrafa de cachaça e de água. É como se todo tempo você fosse provocado a sair do seu lugar e entrar na cena. No segundo ato o público passa a ser mais provocado e inevitavelmente pessoas saem da sala de espetáculo.

Destaca-se a opção do grupo em fazer o rompimento da cena para o dialogo direto com o público. O ator passa a comentar sobre a ação ou simplesmente indagar o espectador que está indo embora. Contudo, esta opção estética não deixou claro as regras da encenação, no sentido que o espetáculo terminou e o público não entendeu isso claramente, assim ficou a sensação que o ator já realizou tudo o que se propôs e agora está apenas esperando o público ir embora. Neste sentido, a falta de final, ou da intenção clara de uma finalização da narrativa, deu margem a um desconforto do espectador e uma fragilidade da cena.

O grupo formado por jovens atores e músicos evidencia um trabalho de dedicação, pesquisa e veracidade com preocupação em detalhes mínimos para a composição da cena. O espetáculo erra pelo excesso. Excesso de tempo de narrativa, de profusão de imagens, de signos colocados na cena.

Nesta proposta de encenação, inevitavelmente o espectador faz um recorte, pois são muitas ações que ocorrem ao mesmo tempo e nem todos eles no seu campo de visão. Um espetáculo que uma parte você vê acontecer, o restante você simplesmente imagina.

A proposta apresentada pode ser caracterizada como um teatro experimental, esta experiência cênica não possui grandes preocupações com o espectador. Por isso, o estranhamento, a dificuldade de decodificação de seus signos, apesar do espectador estar tão próximo da cena. Entende-se que o festival como o FILTE é este espaço no qual as diversas formas do fazer teatral estão pautadas para um público que está interessado em conhecer a cena contemporânea. Não se poderia deixar de registrar que o atraso de cerca de 20 minutos para começar o espetáculo e a dificuldade para acomodar todo o público poderiam ter sido evitados para que a entrada do público naquele espaço de encenação fosse desde o primeiro momento uma experiência sensória de purificação.

Poliana Bicalho é formada em Jornalismo e Licenciatura em Teatro, atua como produtora cultural freelancer e atualmente é professora da Escola de Dança da Fundação Cultural do Estado da Bahia. polianabicalho@yahoo.com.br

(Texto produzido como exercício para a oficina Cultura da Crítica, no âmbito do FILTE. Não posuui caráter valorativo).

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