terça-feira, 11 de setembro de 2012

Esta arca de segredos próprios não é a de Noé!


Atores do Vilavox em O segredo da arca de Trancoso - foto: Lilih Curi

Por Poliana Bicalho

O espetáculo infanto-juvenil O segredo da arca de Trancoso, do grupo Vilavox, da Bahia, integrou a programação do último dia do FILTE com muita música, alegria e imaginação. O texto de Luiz Felipe Botelho conta a história de um Menino cheio de dúvidas que recebe de K’Temeré, uma sábia mulher, a missão de ser guardião da arca. A partir daí, a história se desenrola com suas peripécias e seu final cheio de simbolismo.

A fábula iniciou diante do velho casarão conhecido como Casa Preta, no Bairro 2 de Julho, em Salvador. O prólogo encenado é iluminado pela luz do sol, os atores entoam uma canção que já indica ao espectador que neste espetáculo a música será tão marcante quanto a interpretação de seus atores. Logo, a encenação de Cláudio Machado invade outro espaço: um terreiro de uma casa antiga, no qual cachorro e galo são moradores do local e também entram em cena ao sabor de seus instintos. A partir de então, o terreiro torna-se caminhos do Menino, e as árvore, os muros, o chão de terra deixam de ser um acaso da geografia do espaço, para fazerem parte da narrativa.

Neste espetáculo, o texto, a ação cênica e o espaço físico estão organicamente interligados, o que indica que estes três elementos caminharam paralelamente no processo de criação. Desta maneira, este que seria um teatro de rua passa a ser um teatro na rua, feito em espaço não convencional: a rua e o terreiro. Assim, experienciar este espetáculo em outro ambiente é perder toda uma relação intrínseca, é estar diante de uma possibilidade de fruição desta obra de forma menos prazerosa.

O figurino é o de uma trupe errante, com suas cores vivas, seus remendos e superposições, para a composição dos diversos personagens. Existe a ressignificação, sobretudo do lixo tecnológico, na confecção de peças do figurino e das máscaras, tal como a utilização de fios de telefone e peças de computador na máscara da Comadre Fulorzinha. É preciso destacar o primoroso trabalho da equipe de adereço e máscaras, tanto pela definição do conceito quanto pela pesquisa de materiais.

O projeto de luz também merece destaque, pelo aproveitamento das condições possibilitadas pelo ambiente – o sol que dá passagem a lua, a utilização de gambiarras, lanternas de vários tamanhos e intensidades e os refletores, característicos em qualquer encenação teatral, que possibilitam nuances, criação de atmosferas e jogo com as sombras, em determinadas passagens.

Em dois momentos a encenação se fragiliza, pois o ritmo cai. O primeiro, com a presença do personagem Curandeiro; e o segundo, com a entrada do Caçador. Este encadeamento mais vagaroso não compromete o espetáculo, mas faz-se pertinente sinalizar porque a encenação transcorre na rua, ao ar livre, onde o público é suscetível a inúmeros estímulos que podem desviar sua atenção da cena.

O segredo da arca de Trancoso teve estreia nacional em 3 de setembro de 2012, e com certeza muitos olhares se lançarão sobre esta obra ao longo da sua caminhada. Olhares de encanto de seu fruidor, seja ele bebê, menino, adulto ou velho que esteja sentado nos colchonetes espalhados no terreiro apenas ‘espiando’. Pois o segredo da arca de Trancoso precede àquele da outra arca e corre à boca miúda, levado ao sabor dos ventos.

Poliana Bicalho é formada em Jornalismo e Licenciatura em Teatro, atua como produtora cultural freelancer e atualmente é professora da Escola de Dança da Fundação Cultural do Estado da Bahia. E-mail: polianabicalho@yahoo.com.br

(Texto produzido como exercício para a oficina Cultura da Crítica, no âmbito do FILTE. Não posuui caráter valorativo).

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