terça-feira, 11 de setembro de 2012

Humanidades fuziladas: os altos e baixos de Salmo 91



Elenco de Salmo 91, direção de Djalma Thürler - foto: Bob Nunes

Por Uendel de Oliveira

Salmo 91, espetáculo dirigido por Djalma Thürler, apresentado nos primeiros dias da programação do FILTE 2012, leva o espectador a refletir sobre as condições dos sujeitos que viviam na penitenciária paulista conhecida como Carandiru - e daqueles que ainda vivem em penitenciárias ou presídios outros. Aborda a humanidade dos presos e das escolhas que muitos deles fizeram.

O texto de Dib Carneiro Neto, adaptação da obra do médico Dráuzio Varella, Estação Carandiru, é repleto de nuances e revela a diversidade de seres humanos que habitavam aquele ambiente.Toca na ferida da violência, da miséria daqueles homens, mas sem deixar de falar de seus desejos, suas histórias, afetos, até certas fragilidades.

A cena,que se constitui com poucos elementos, com destaque para pequenas gaiolas – metáfora clara das grades e do aprisionamento –, é muito plástica e se transforma facilmente. Situações e ambientações variadas têm lugar e levam o espectador a transitar pelo interior do Carandiru.

Contudo, Salmo 91 é um espetáculo irregular e, durante grande parte do tempo, a encenação se revela monótona. Alguns dos 10 monólogos apresentados, interpretados por cinco atores, parecem carecer da presença mais marcante do encenador, de forma a cuidar que essas cenas se conservem atraentes para o público. Algumas performances do elenco apresentam elementos para manter vivo o interesse do espectador; outras, no entanto, são pouco convincentes e revelam ausência de apuro técnico, já que não dão conta da complexidade do que é dito pelos personagens, nem das situações que representam.

AApesar da irregularidade, o espetáculo tem momentos pontuais de grande impacto, convidando de fato o espectador a comungar das experiências vividas pelos personagens. Como o primeiro monólogo de uma personagem travesti, que deixa clara a situação delicada de pessoas como ela vivendo numa prisão masculina; ou cenas como o monólogo do Velho Valdo, num ritmo menos acelerado, que investe na sutileza e no minimalismo; ou ainda o monólogo de Veronique, travesti apaixonada e apaixonante, mas amargurada.

A cena final se destaca, embora seu impacto chegue tardiamente. Enfim, a passagem bíblica do Salmo 91 é recitada e o único sobrevivente do massacre dentro da galeria de personagens apresentada conta a experiência de ter sobrevivido, de ter visto "milhares" caindo aos seus lados, dando ao personagem uma aura profética. Ele se despe de suas roupas como quem se livra de suas defesas, mostrando toda sua fragilidade e insegurança.

O grande mérito do espetáculo, portanto, é provocar reflexões sobre aqueles homens enquanto tal, homens. Muitos assassinos violentos, talvez "irrecuperáveis", mas humanos que, apesar de suas ações, não deixaram de ser pessoas complexas, cheias de afetos, e que foram fuziladas, tratadas como coisas descartáveis pelos detentores das armas mais potentes.

Uendel de Oliveira é doutorando e mestre em Artes Cênicas pelo PPGAC – Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas / UFBA – Universidade federal da Bahia; dramaturgo e professor de teatro. Autor do blog: falandosobrecenas.blogspot.com. Email: uendel.silva@hotmail.com

(Texto produzido como exercício para a oficina Cultura da Crítica, no âmbito do FILTE. Não posuui caráter valorativo).

 

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